Caros leitores,
Tenho a marcenaria como hobby para o meu corpo –para a minha alma meu hobby é escrever- e, na marcenaria, a jóia da coroa é restaurar móveis antigos; são desafios. Um móvel muito me chamou a atenção quando visitei o museu Carlos Costa Pinto, em salvador, há 40 anos (era o início das aulas de 1979). A curiosidade foi tanta que me fez vencer a timidez e perguntei o nome: “É uma namoradeira”. Virou dogma de fé. Vinte e cinco anos depois, eu fiz minha primeira namoradeira; foi divertido! Ninguém acertava sentar, um espírito pouco evoluído tentou sentar por cima do encosto! Todos perguntavam: “Como é isso?”
O tempo passou o google apareceu e nada de eu achar um modelozinho sequer de namoradeira; o que teria acontecido? Como algo some assim? Por mais que procurasse em lojas de móveis antigos, não achava. Procurei em residências antigas, em demolições, em fazendas… nada! Até!! que um dia (há uns dois anos), lendo um romance do século XIX lá estava: “sentou-se na causeuse…”. Parei! Peguei o dicionário; nada. Digitei no google… voilà!! “Sofá de dois lugares, com encostos invertido, usado para conversar”. É devastador o efeito de uma informação incompleta, de uma palavra mal colocada; provavelmente eu levaria menos tempo para descobrir o nome daquele estranho (porém belo) sofá. A falsa informação junto com a associação do sofá ao nome, “namoradeira”, deixou-me satisfeito por muito tempo; porém tolhido! Era impossível avançar no conhecimento. É devastador.
E sentado num causeuse, com toda a paz possível neste mundo, nas imensidões dos chapadões gerais, admirando Dionísio (Sagui de tufos pretos –Callithrix Penicillata) chegar trazendo sua família –sim! ainda não contei, Dionísio arranjou uma companheira e já nasceu um filhote-, converso com minha adorável, delicada, admirável mulher enquanto esperamos a hora de tomarmos o café da manhã. Deliciosas investigações filosóficas surgem da conversa despretensiosa, desde como e a quem foi passado à informação –pelos antepassados de Dionísio que balizaram aquele limite de vegetação do cerrado-, da marcação do limite da sobrevivência humana a, quantas galinhas é preciso criar, no terreiro, para garantir o almoço de todas as sextas-feiras do ano com a iguaria dos sertões: macarrão com frango ao molho pardo. Parece tolo, mas tente fazer essa conta! Considere agora a sazonalidade no fornecimento de alimentos e não esqueça o fator azar; bote o custo de buscar as vacinas e remédios na cidade; a velocidade com que as pragas alastram-se e o custo de buscar o veneno; pronto, está bom? Está não! Não tem praga maior que visita mal educada vinda da cidade! Bota o caroço do olhão logo no melhor galo do terreiro, então, aí lascou, dá um calundu da bexiga para levar o galo e mais uma dúzia de galinhas; ainda conta! Uma vai para tia tal, aquela ali vai para minha afilhada e etc. Não estão nem aí, não fazem nada e ainda deixam o fazendeiro com fome. O melhor acontece quando é negado, vixe, de volta pra cidade o calundu é dobrado, acompanhado de violentas pragas. Nunca é demais cultivar um pé de pinhão roxo, e na porta, um vistoso caqueiro de espada de ogum.
Andei pensando, mesmo, no surgimento de novas profissões; modernas profissões. Adestrador de galinhas. Isso mesmo! Adestrar galinhas será um negociozão. Por favor, não ache estranho, é somente exótico; é como a causeuse! Repara no novo mundo digital, moderníssimo, aliado ao também novo mundo dos esportes radicais, um problema gravíssimo tomou forma já que não basta praticar o esporte, tem de filmar e mostrar aos amigos; é o velho “se não tenho a quem contar não tem graça”, se fazendo novo. Lembram a filmagem nos carros de fórmula um? Toda tremida. E nos voos de asa delta? Dá enjoo. Filmar de uma bicicleta descendo uma montanha era possível, só que impossível de ser assistido. Todo o problema era estabilizar a câmera; como? Muita coisa foi tentada. Daí, um alguém, resolveu prender a câmera na cabeça duma galinha, botou ela quietinha empoleirada no guidom da bicicleta e conseguiu uma imagem perfeita!! Singelo e complexo… tsc. tsc. tsc. eis a vida. Adoro essa palavra “Vida”!
A causeuse foi um móvel raro aqui no Brasil, caiu em desuso, praticamente, quase ninguém conhece; uma pena. Durante nosso café, comi ovo preparado ao modo antigo: somente a clara do ovo é cozida, a gema fica mole. Quebra um pouco a casca, bota sal e come com uma colher, muito bom, não é preciso fritar; o sabor é bem parecido. Antes era comum nas casas uma cumbuca de porcelana própria para comer ovo cozido, hoje não vejo… Apesar de nos sites de compras, encontrar com o nome de porta ovo cozido; bem, deve ser coisa do mundo fitness. Há uma particularidade: o ovo de granja, destes comprados em supermercado, quando cozido não fica com a gema mole. Enfim algo simplório de fácil preparo, entretanto de excelente sabor, muito nutritivo, vai se perdendo, caindo no esquecimento; é impossível para quem nunca viu, nunca comeu, conceber tal iguaria. Torna-se tabu. Diz-se que tem cheiro ruim (isto não acontece com o ovo caipira). Mesmo lenda, contada da mesma forma, de quem nunca viajou de avião e diz ter medo de voar. Comer um ovo pode ser uma experiência rica e ter no ato muita vivência; sabe o que eu desejo a todas as pessoas? Uma bela, confortável, e aconchegante causeuse em suas salas; a investigação filosófica, mesmo leve, sempre deixa a alma mais rica.
Fim.