Caros leitores,
Escrevi; nasci! Não estreei, nasci! Há muito de verdade no complexo ditado existente nesta Bahia de todos os santos e terra mãe da santa nascida e vivida na brasilidade, Santa Irmã Dulce; diz: baiano não nasce, estreia! Legal, concordo; estreia-se noutras artes, na arte de escrever não, escritor nasce pronto e o cronista nasce nato! Eu poderia… Poderia ser poeta, entretanto alguém teria de me conduzir pelas sutilezas das rimas e todos os seus padrões, então, nasceria e depois estrearia. Estaria na mesma situação se o acaso me levasse a ser contista e, como adaptar-me a máxima de que quem conta um conto aumenta um ponto! Ademais o conto tem época e moda. Talvez, ser um ensaísta e ter de conviver com o mundo da adivinhação, do tentar prever o futuro ou, trocar o futuro pelo passado encaminhando-me pelo conto histórico, coisa que não é fácil, com efeito, fazer o leitor acreditar que o escrito de fato existiu; enfim, no conto histórico, retórica e dialética ficam em pé de igualdade. Porém, novamente, em todas as opções após o nascimento é vital a estreia. Eu não gosto de estreias.
Tirei férias do Blog; não parei de escrever somente parei de publicar e nesse tempo fiz uma imersão filosófica, é incrível como coisas aparentemente desconexas terminam conexas. A revista Veja afundou em crise, o editor, Roberto Civita morreu em 2013. Enfim uma luz amarela (um talvez) acendeu em minha cabeça, a luz da dúvida da importância de um editor; sua erudição, seus conceitos, seu feeling, seus gostos, sua vontade, tudo! em pró duma linha editorial que, mesmo não sendo impecável necessariamente é agradável. Por mais de quarenta anos fui leitor assíduo (desde que aprendi a ler) da revista Veja e, pensava eu em ser para sempre, daí o editor morreu… Bem, eu não tinha pensado numa linha editorial para meu Blog, entretanto, por intuição, o Blog já tinha uma linha editorial e, nesta minha reflexão, a crise da revista Veja respondeu a mãe de todas as dúvidas: A linha editorial personalística constitui pecado? Não! É como numa orquestra sinfônica; pode ter excelentes músicos porém é o maestro que rege.
São questões complexíssimas, coisas quase incompreensíveis, como o paradoxo do autodidatismo. Notem este texto escrito por uma criança de sete anos: “Tia o carro novo bateu você queria saber como foi assi beinha vinha na mão dele aí a combi vinha virando o beco do hospital aí a combi bateu e não parou beinha não teve nada Euvaldo que veio na frente não teve nada mainha que vinha atrás não teve nada todos não tiveram nem um arranhão. Eu quando virei o beco do jegue ninguém viu eu passar”. Uma pérola, uma capsula do tempo congelada; uma crônica! E completa! A razão da crônica esta perfeitamente espelhada, é a percepção do fato acontecido, completo, sem floreios, porém finamente percebido. Eis a arte; o autodidata percebe a vida e percebida deixa de ser vida, explode em arte. Que coisa né! Então vou botar mais um pouquinho de prosa filosófica: conhecer-se autodidata é diferente de aceitar-se autodidata e isso por questões sociais; pasmem, todo autodidata é solitário! É simples, os motivos da solidão é a falta de parâmetros comuns. Se é nato, se aprendeu só, se é fruto da aguçada percepção vai conseguir conversar com quem? Trocar idéias com quem? Não há! Há de se contentar em viver na solidão, e aceitar, e viver na sociedade humana (os bichos também são sociáveis) do melhor jeito possível; qualquer pessoa conhecendo-se autodidata vai contra as leis da natureza, é difícil; agora, aceitar-se autodidata é condenar-se, e isso vale para qualquer profissão. Imagine quanta repreensão teve a bordadeira que, ao perceber um furo na roupa, viu a razão de um bordado mais belo ainda!
O paradoxo do autodidatismo se consolida na brasileira silvícola (nascida num dos braços do rio madeira), a jornalista Kaynä Munduruku. Diz: “Quando eu fui cursar jornalismo na faculdade, não encontrei professores que me desse aulas sobre comunicação dirigida ao público indígena…” “Saí da faculdade e fui estudar sozinha… …fui estudando como fazer para levar notícias aos meus parentes. E deu muito certo, pois de povos da selva eu entendia”. A pérola das pérolas percebida pela jornalista Kaynä: “Os brasileiros indígenas não entendem o que o rádio ou a televisão falam, para eles não tem sentido nenhum, significado nenhum…”. Bem, a “Rádio Tribos do Norte” transmite em português, é muito ouvida e onde Kaynä chega é reconhecida; faz muito sucesso entre os brasileiros silvícolas.
A preciosidade o texto escrito em 1973 foi guardada por uma tia com nome de princesa, tia Lady Astor Terra. Quando soube do meu Blog e leu, me presenteou com este diamante. Foi uma carta que eu escrevi, minha mãe enviou e tia guardou! Minha primeira e perfeita crônica; diz muito e em breve, numa ou quem sabe em muitas crônicas, esmiuçarei este diamante congelado no tempo. Tia Lady também é artista, fez filme junto com Glauber Rocha, e me aconselhou: “Alex, a arte liberta, enobrece, engradece, nunca pare; só a arte é capaz de libertar, dar felicidade.” Sábio conselho. Longa estrada.
Escrevi; renasci! Todo autodidata tem o gênio forte.
Fim.
Uma resposta
Excelente!
Parabéns!