Caros leitores,
Coisa boa é um sábado à noite e quando se é jovem, melhor ainda. Foram muitos e muitas são as histórias. Das grandes noitadas no lendário Casquinha de Siri com sua inesquecível banda Santa Rosa –tinha uma apaixonante backing vocal – ao desarrumado circo Troca de Segredos que em contraste oferecia bons shows: Blitz, Eduardo Dusek, Cazuza etc… Todos em início de carreira. Era a boa, fervilhante culturalmente, Salvador do início dos anos oitenta do século passado.
Tudo sempre começava à tarde; às vezes no paraíso do whisky barato, o baby beef Paes Mendonça. Era para abrir o apetite, não mais que duas doses acompanhado de caldo de feijão, torresmo (delicioso) e uma bolinha de manteiga. Muito riso era dado quando um calouro, no grupo, comia a bolinha pensando tratar-se de queijo. Confesso que até hoje gosto do sabor do whisky Balantine’s, Paes Mendonça formou o paladar de uma geração. Outras vezes íamos para o restaurante da casa do comércio –tinha uma vista deslumbrante da cidade- onde o tira-gosto era barato e diversificado. Conversa distraída, trivial, à tôa; ainda não conhecíamos a filosofia de bar, daí conversávamos de carros, motos, aviões, de meu Baêa e, decerto, de mulheres! Muitas mulheres, lindas, maravilhosas, divas, deusas e aquela! seria a noite, a noite das noites, a noite da cinderela; finalmente uma cinderela –eu tinha um azar da peste, nunca conseguia. Claro que teve os casos pitorescos: uma vez, Nossa Senhora da Boa Morte não me deixe padecer no inferno por esse mau pensamento, um, dos mais gaiato do grupo, arranjou, isso lá pelas quatro horas da madrugada uma bonitona, coisa de dar inveja; uma agarração de cinema; um bailar no salão que só faltou voar, tal a leveza. Bato três vezes na boca, todavia meu óculoszão fundo de garrafa não perdoa, quero estar errado! Velhinhos, o amigo pegou um traveco. Certeza eu não tenho, mas no mundo que aquilo não for um traveco… olhando de hoje o passado não condeno o amigo, era um pós moderno.
Naquela Salvador a madrugada era uma irmandade; nada de violência, nada de lei seca, de radar, de blitz da polícia. Só os boêmios na rua. Vira e volta parava para socorrer um guerreiro da noite que embalado por uns goles a mais tinha subido o meio fio. A operação era padrão: empurrava o carro de volta para a pista, trocava o pneu detonado, empurrava novamente para o carro pegar e, desejava uma boa noitada; nunca, jamais ninguém aconselhava o acidentado para ir para casa. Uma vez, o cidadão detonou dois pneus; coincidiu da furação da roda ser a mesma, então, emprestei o socorro. Não foi que o cidadão, no outro dia, me telefonou e devolveu o pneu de socorro! Era os abusos da juventude, abusos de tudo; imagina só, sair do Casquinha de Siri e ir comer cachorro quente na praça da Piedade! Não acontecer nenhum acidente, considero, hoje, um milagre.
Lá de quando em vez um integrante do grupo sumia –arranjava uma namorada-, aí a ciumeira batia. “Não dou uma semana” sentenciava um. “Eu vi no shopping, é feia de lascar” replicava o outro e assim a tarde ia caindo no calçadão do Ponte de Safena, na barra. Quanto ao ungido namorador –desgraçado, empestiado, infeliz- a noitada agora era nas delícias permitidas somente aos casais; Boite Bual l’amour, piano bar do hotel Meridiem (Bar Canoa), degustar queijos e vinhos no hotel Quatro Rodas; uma namorada era o passaporte para o paraíso, tudo isso era proibido aos solteiros, homens desacompanhados não entravam. Restava pedir outra rodada de chopp e uma porção do delicioso bolinho de bacalhau (o bacalhau desfiado era misturado na massa de batata) do Ponte de Safena. Bem, a esperança é a última que morre e nós novamente, vamos à luta. Quando a banda Santa Rosa começar a tocar vou me dar bem, essa! Será a grande noite, o grande sábado.
– Vou arrebentar, vou tirar a backing vocal pra dançar
– Hoje nem que seja uma balzaquiana eu arranjo
– Quá! Tudo conversa fiada
– Sai pra lá espírito atrasado de porco.
Foi em uníssono que rechaçamos o espírito ruim. Vamos é partir pra luta, a noite é uma criança, a banda Santa Rosa nos aguarda; É sábado.
Fim.
Alex.