Caros leitores,
Tive o prazer de conhecer Vivaldo Leão da Rocha, durante a estruturação de meu blog; logo o convidei para uma entrevista. Conquistense, nascido no alto maron, fotografo autodidata com foco na fotografia analógica, professor de fotografia, também é proprietário da casa de shows culturais (Cinema, fotografia e música) O Canto do Sábia. Vivaldo, ou melhor, Sabiá –fiquei sabendo durante a entrevista- é filho do primeiro homem com que fiz amizade, quando cheguei à Vitória da Conquista: Rui Leão.
Blog- Como surgiu, em você, a profissão de fotografo?
Sabiá- Veja só, a profissão de fotografia, ela surgiu através de outra profissão. Na verdade eu trabalhava com topografia, então, eu ia para o campo e, operando o teodolito, comecei a vêr algumas imagens e isso foi me despertando. O colega meu, que era o topografo chefe, já fazia algumas fotografias. Eu ficava admirando a arte dele… mas para ser sincero a raiz disso tudo foi dentro de casa, quando eu ficava olhando aqueles monóculos, aqueles pequenininhos de plástico [com a mão imita o jeito de olhar o monóculo]. O pessoal quando ia para Bom Jesus da Lapa, ou para o Jardim das Borboletas, era o presente que ganhava; passear com um monóculo pendurado era chic, e quando chegava em casa, a gente mostrava. É o mesmo produto do cinema, é cromo. Naquela época não passava para o papel, então aquilo já me despertava. Ficava olhando aquelas imagens, também pegava algumas coisas de meu pai e ficava montando, tipo filme. Tinha de trabalhar, a topografia me encaminhou, fui vendo as imagens, depois comprei uma câmera, levei para o campo, comecei a fotografar.
Blog- Daí foi onde surgiu o gosto pela fotografia?
Sabiá- Foi daí que surgiu o gosto. Eu comecei a fazer fotos. [Com a expressão de uma boa lembrança] Uma vez! Eu faltei uma semana no trabalho, fui para Bom Jesus da Lapa fotografar uma romaria [risos],claro, tive problemas no trabalho. Daí, assumi que o que eu queria mesmo era a fotografia; a profissão de fotografo. Perdi um trabalho bom. Eu trabalhava no Instituto de terras da Bahia, mas eu vi a fotografia na minha frente e fui.
Blog- Foi sua escolha. Foi bom. E dentro da fotografia o que mais lhe fascina fotografar?
Sabiá- Olha, o que mais me fascina fotografar [pensativo], sempre, desde o início, fiz vários tipos de fotografia. Eu não diria que fui um fotografo legal de casamento, de aniversário, de eventos, assim [girando a mão no ar], entendeu; eu fiz fotografias em microscópio, de coisas muito difíceis de retratar, mas, o que nunca me cansou foi o quotidiano; a feira; o pedinte aí na rua; o dia a dia; as pessoas, as expressões delas. Isso me encanta.
Blog- A paisagem urbana?
Sabiá- É isso! O dia a dia relata ali e daqui a pouco some!
Blog- Dentro desse contexto, qual a foto que você bateu e sentiu, essa é a foto!
Sabiá- Rapaz, [com satisfação] eu tenho duas fotografias, na verdade. Uma é de um doido famoso que teve aqui na cidade. Eu ia descendo uma rua e ele estava encostado em um muro, com uma lata numa mão e com a outra tirando comida de dentro e comendo. A prefeitura nessa época dava banho, cortava o cabelo e vestia um macacão nos malucos, para identificar essa pessoa. Ele estava com um macacão deste. Quando me viu, sentou-se e com a mão me ofereceu comida; foi quando bati a foto. A outra foto, fiz nos anos oitenta, quando morava no INOCOOP. Bateram em minha porta três crianças pedindo comida; mandei entrar, sentaram num banco e dei comida para eles. Me emocionei e pedi para fazer uma fotografia. Essa fotografia me marcou muito, gostaria de encontrar essas pessoas hoje… devem ter uns 35 anos.
Blog- Vou inverter as coisas. Nesses casos você viu a foto, e já aconteceu da foto ver você?
Sabiá- É, já, aconteceu! Eu estava fotografando, e naquele momento, que eu estava pesquisando aquela foto… eu lembro de um aluno, no curso de agronomia, porque os alunos precisavam fazer algumas fotografias. Eu dava a aula para a disciplina de fitopatologia; para fotografar tomateiro, pimentão; doenças nas plantas. Era para não precisar arrancar a planta e levar para a sala. Aconteceu de eu passar um dia para fazer uma foto! Foi quando os alunos ficaram chateados comigo, porque como é que pode passar um dia para fazer uma foto! Expliquei: existe diferença entre um fotografo e um apertador de botão. Tive de ficar esperando a mangagava sentar na flor do maracujá, e tal, é muito difícil. Ninguém vai ver uma mangagava sentar em qualquer flor. Foi quando provei para o aluno a diferença desse tipo de fotografia, para a fotografia em que você vê qualquer coisa e “pá”, fotografa. Não é por aí. Então é isso aí, tem de esperar a fotografia, ela tem de me ver! Ela olha pra mim e eu bato.
Blog- Vou complicar mais. É possível, com a foto, transparecer a alma de uma pessoa?
Sabiá- Tem uma tribo americana, os Sioux, que foram os primeiros a falar sobre isso. Eles não se deixavam fotografar. Para eles a fotografia conseguia parar o momento da pessoa. Aquilo ali, para eles, passava uma aura, era uma questão espiritual. Acreditavam, que tiravam eles daquele momento em que estavam olhando, que estavam pensando, é como se o fotografo roubasse e passasse o momento, a comunicação, para outra pessoa. Então os Sioux não se deixavam fotografar. Eu acredito nisso. [enfaticamente, apontando os dedos indicadores para mim] É isso aí.
Blog- A sabedoria popular diz: Uma foto vale mais que mil palavras. É possível bater uma fotografia que diga mil e uma palavras?
Sabiá- As fotografias na verdade [grande pausa] há muito tempo, o jornalista, ele ia junto com o fotografo. Então ele dependia [entrelaça os dedos], ele olhava a imagem e o fotografo captava essa imagem congelava essa imagem, para em cima disso sair o texto. Só que tinha o ponto de vista e a sensibilidade do fotografo. Embora o jornalista pudesse ter o texto na cabeça, a cena congelada pode engrandecer o texto. Isso pode acontecer num estádio de futebol, num quebra-quebra na rua, no dia a dia. Existe, até mesmo, do fotografo sair para fazer um trabalho e fazer outro! E o redator mudar o texto, dar uma ênfase a mais; é um trabalho em conjunto; é o flagrante. É a arte e a arte é essa mais uma palavra além das mil. Exatamente. A fotografia faz isso, afirmativamente.
Blog- É uma das mais conhecidas fotografias, “a menina afegã”…
Sabiá- Excelente!! Pela história que eu li, o próprio fotografo falando, ele consegue convencer a editora a pegar uma parte dos royalties e pagar, enviar para aquela menina. Eu achei isso brilhante, correto.
Blog- Professor Sabiá, muito obrigado pela entrevista.
Fim.
Alex.