Caros leitores,
Na magnífica viagem da vida olhamos muito; olhando muito vemos; vendo, todos os caminhos conduzem-nos à esparrela. Olhando o que vejo, um bêbado –filósofo da vida- começa a cantarolar “É por debaixo dos pano/ Prá ninguém saber/”.
Até no perfeito livro de Gustave Flaubert, Madame Bovary, o jogo de sinuca é citado; tem uma mesa na pensão da cidadezinha. Simples de ser jogado é bastante mirar e bater o taco. Complexo, é admirar o jogo; a beleza ou a feiura está nas expressões faciais, e não nas jogadas. Nesse quesito tem de tudo: beiçola, coça peito, limpa teia de aranha da cara, penteia cabelo, cusparada a distancia, tragada finda cigarro e tudo quanto é cacoete. Como não existe problema na vida, o melhor, quando se visita uma nova mesa de sinuca é jogar com o bêbinho do bar e, grátis, ganhar diversão. Jogo batido, rápido, rodado e claro, apostado; nesse caso, o que vale é um copo de cerveja (cerveja fraca, aguada, os bêbinhos gostam é dessa, refresca e desce como água). Vou jogando e perdendo, perdendo, perdendo. No quarto copo perdido, meu adversário baila em volta da mesa abraçado ao taco – na verdade a mais bela mulher por ele imaginada. Hora de abandonar o jogo batido e jogar jogo armado.
A vida da mesa será conhecida, ou, como dizem os calouros: vou escolher a mesa. Espírito leve, língua solta, meu adversário vai brincando “bola cinco cai na caçapa do fundo” e com a bola sete colada vem a cantada “eu botava a sete no meio” e tome talco na mão; e tome a limpar boca de caçapa. É o que muita gente não acredita só que existe, mesa viciada.
Os ditados populares, tão conhecidos, tem nascimento nobre; não fosse assim jamais se tornariam ditados. As pessoas repetem exaustivamente devido a gravidade do fato e não pela sua compreensão. São fatos corriqueiros e graves mas de difícil constatação, afinal, fulano é um ás no sinuca e mesmo assim perdeu todo o salário. Foi por debaixo do pano que a coisa aconteceu.
Ouvi muitas histórias de pessoas que perderam a casa, a aliança de casamento, o anel de formatura. O mais grave e interessante caso, ouvi contado pelo filho de um perdedor. O cara tomou horror ao jogo. O pai perdeu a loja comercial e a casa de morada; do dia para a noite estavam sem nada. A vizinhança dizia que tinha sido coisa feita por debaixo do pano.
É interessante notar como esse ditado está distorcido, atualmente. Imagine: cobrir algo com um pano e desaparece. Ou pior: fulano está trabalhando por debaixo do pano. É infantil. Não pode ser por aí. Ditados são conselhos; não tem sentido figurado; há complexidade, sentido figurado não. Ditados populares são sentenças que aplicadas a alguns resultam em aprendizado coletivo, com efeito, a coletividade passa a evitar. Algo que está embaixo do pano é danoso à coletividade; fere a fé; torna-se enganação.
É preciso sentir a mesa e ninguém melhor que meu adversário para me proporcionar isso, afinal, passa o dia vendo os outros jogarem. Levo a bola para o seu lugar arrastando na mesa, espremendo o pano na boca da caçapa. É devagar que o pano vai se revelando, bem devagar, só no rolar da bola é que vai se notando; até a hora chegada de ganhar um copo de cerveja gelada! A melhor cerveja do mundo. Tem gosto de pato! Gosto de jogo ganhado longe dos olhos e por debaixo do pano. No jogo, assim como na vida, não basta ver; tem de ver, ver o aspecto e aceitar as regras e o aspecto. Agora, veja só: o talco usado para deixar a mão seca e facilitar a jogada, passa para debaixo do pano, criando caminhos e ondulações quase imperceptíveis. Vejo a mesa limpa, plana, apta, conheço as regras do jogo, posso jogar se assim eu quiser. Digo se assim eu quiser pelo motivo que o aspecto da mesa não permite o jogo igual! Quem conhece os caminhos da mesa tem vantagem! De fato é uma mesa viciada.
Não é uma coisa de tudo ruim, várias pessoas podem se habituarem a jogar dessa forma e sim, o jogo perde o sentido passa a ser enganação, trapaça. Mais vale o saber do caminho do que a habilidade pessoal. Para o dono da banca de sinuca o melhor é tudo continuar como está afinal, um profissional bem preparado, cobra R$ 500,00 para tirar o pano e limpar. Proibir o uso do talco é prejuízo certo, a quase totalidade dos jogadores não quer usar luva. É uma droga. Vira uma droga de jogo perdido, ninguém ganha. Perde-se tanto que até o ditado fica perdido.
A vida no jogo o jogo da vida. Quando vejo a mesa de sinuca é só um estado; vi. Quando interpreto a mesma mesa, estou pensando, fazendo hipóteses, vendo ‘espacialmente’. Assim, compreendo o bêbinho como meu professor. Somos iguais e podemos nos divertir. Podemos jogar o jogo da vida. Da esparrela só se sai, interpretando; não adianta ver!
Fim.
Alex.