Caros leitores,
Quando nasceu o escritor em mim eu não sei, mas eu já nasci escritor! Erasmo de Rotterdã conta isso de forma inteligente e muito bem humorada em seu magnífico livro “Elogio da Loucura”; nascemos cada um com uma loucura, uns serão guerreiros, outros generais, outros reis ou papas, padres, artesões, artistas e loucos ihh!! Se a loucura é a mãe das artes, afinal “é à força de vigílias e suor que homens, na verdade extremamente loucos, acreditaram conquistar essa fama que não passa da mais vã das coisas”. E são vãs? Em Eclesiastes há uma dica: “No coração dos sábios a tristeza; no coração dos loucos, a alegria” ou: “Quem mais sabe, mais sofre; quem mais conhece, mais se indigna” … ahhh uma loucurinha ao escritor faz um bem bom. E abre a mente para o vulgarmente conhecido, escrever fotográfico; quando o escritor não pensa com palavras, vê as paisagens.
Li tudo e de tudo. Aprendi a ler, lendo; nunca vi o quadro negro –sequer olhava para ele-, foi a cadencia dos sons que me embalou e eu olhava para o caderno. Eu já estava treinado, gostava de ler a revista em quadrinhos do Gato Félix, daí fazia associações de sons e símbolos. É interessante, pois no gibi do Gato Félix as expressões faciais e corporais eram ricas. Cresci um pouquinho, abusei e passei a ler o gibi de Pato Donald, Tio Patinhas e companhia. Ainda na literatura do gibi aconteceu um fato interessante, de uma hora para outra as histórias passadas com Zé Carioca ficaram ruins, sem brilho, sem magia, desproporcional ao intelecto de uma criança, então deixei de ler. Passou muito tempo, eu estava adulto, já bem erado, quando soube que as histórias do gibi de Zé Carioca eram produzidas aqui no Brasil; enfim, o editor era ruim pra chuchu. Li revista Fatos e Fotos, O Cruzeiro, Manchete, Manequim; a que eu mais gostava –qual o moleque que não gostava- Quatro Rodas. Odiava a revista Veja, feia demais! As ilustrações em preto e branco! Mesmo assim folheava e cheirava a tinta, depois, quando dominei a interpretação do texto passei a gostar da revista Veja. O caso do jornal A Tarde merecia um livro, mas vamos lá: chegava de ônibus na Viação Sul Baiano (SULBA) às cinco horas da tarde e era prontamente vendido por um –acredite se quiser- jornaleiro profissional, daqueles que gritavam as manchetes. Peroá era o nome do jornaleiro (não sei se ainda é vivo). Na casa de meus pais, se comprava o jornal todos os dias; nunca esqueço a cena de Peroá recebendo o dinheiro e entregando o jornal. Eram muitos jornais embaixo do braço. Talvez o cheiro de tinta, talvez a sujeira que ficava na mão, talvez a curiosidade de ver –não digo ler- a manchete gritada, não sei; sei que o jornal me fascinava.
Aaaaa, Bbêbê, Ccêcê, aaave Maria aquilo me entediava demais!! Se ainda tivesse cor nas letras… tudo preto e branco… mal, mal… e tome bronca da professora “OLHANDO PARA O QUADRO NEGRO” Aaaa, Bbêbê, Ggê de gatinho –e eu pensando: pôrra de gatinho, pra mim é Gato Félix- Ddê de dado –e eu: pôrra nenhuma é Donald- Ppê de papai –e eu: pôrra nenhuma quer me enrolar pê é de pôrra- “PRESTA ATENÇÃO! OLHA PARA O QUADRO NEGRO” Aaaa de Alex –e eu: dessa eu gostava, e ria-. Tudo bem, tudo bom, um bocado de carão, esse tal de quadro negro pra mim era um bicho feio, todo mundo querendo aprender a ler e eu de meu modo já lendo tudo, a fantasia encaixou como pode os sons aos símbolos. Daí para escrever é que foi obra de difícil lavra, eu sabia escrever, claro, mas só queria escrever com lápis colorido “É COM O LÁPIS PRETO” dizia a professora –e eu: está bom. Eu fico sem escrever. Fico esperando a hora de brincar.
Teria morrido ali o escritor não fosse a descoberta, por mim, de uma fantástica máquina de fazer ponta em lápis, no escritório de uma grande empresa de comércio de cacau. Pronto, nas férias eu colei lá e ficava olhando o contador usar o lápis, uma tortura dos infernos a ponta do lápis não acabava nunca – uma vez quando ele levantou para ir ao banheiro, peguei e quebrei a ponta-. A máquina apontava seis lápis de uma vez o negócio mais interessante do mundo, e quando voltei das férias, já estava escrevendo tudo com lápis preto; coisa de gente grande, de contador. Passar do lápis para a caneta é história pra não acabar mais nunca, ainda lembro, da primeira caneta que comprei –era quase homem, fui à livraria comprar sozinho- era uma AW Faber 90 e até a cor eu lembro: amarela com o bocal azul… vixe, deixa para lá isso é outra história.
Um fator importante no nascimento de um escritor é a literatura lida, e lida no tempo certo na idade certa. Nisso eu dei sorte, li o clássico da literatura infanto-juvenil “O Gênio do Crime”. Este livro influenciou todas as obras literárias posteriores oferecendo a uma geração de jovens bons livros. “O Balão Amarelo”, “A Ilha perdida”, o esplêndido “Uma Rua Como Aquela” e muito, muitos outros. O autor de “O Gênio do Crime” João Carlos Marinho, com a loucura típica dos gênios revolucionou a literatura, abriu espaço para surgirem outros escritores; fez a roda da Fortuna girar. A vã filosofia do escrever. O quê? O saudoso João Carlos Marinho.
Fim.