Caros leitores,
A guerra das guerras continua, que luta! É quase surreal, todavia existe a batalha do palito de fósforo e assunta bem, quase meu casamento vai para o brejo. Queria ajudar daí juntei umas lasquinhas de madeira tudo bitoladinha botei junto ao fogão e fiz a demonstração da minha grande sacada: para passar o fogo de uma boca para outra se usa a lasquinha de madeira. Homem de Nossa Senhora o tempo fechou; se eu não sou ligeiro das pernas esta hora já estavam rezando minha missa de sétimo dia.
É interessantíssimo; mais ainda tendo tempo sobrando e a imensidão de um lugar ermo para botar a imaginação desocupada para rodar. Como viver? Como se vive? Como viveu? Como viviam? Vivendo? Vivo, vivencio, posso querer viver o passado? E no passado? Resta a mim e graças à riqueza da língua portuguesa o: mas se eu vivesse!! Aos 103 anos –duas gerações ou mais em minha frente- uma lúcida e saudável vizinha de fazenda, pertencente à mesma enorme família que povoou os sertões gerais usa os fósforos sem problemas. Se tivéssemos nascido três gerações atrás a cognição de girar o botão do fogão e o fogo aparecer não existiria! Existindo só a opção do palito de fósforo, não precisamos pensar para acender o fogo. Como assim? Ora ninguém nascido nos anos 1960 e 1970 pensa para escovar os dentes, é pegar a escova botar creme dental e usar. Alguém nascido agora poderá pensar se for acostumado a, por exemplo, limpar os dentes com um delicado jato de água. Imagine agora em abrir mão dos modernos Shampoos e condicionadores, voltando a usar o sabão… essa prosa está ficando cara demais, o melhor é voltar para a cidade onde a filosofia é barata.
O frango caipira preparado de forma tradicionalíssima ficou pronto –quase eu não como em decorrência de minha quase morte- acompanhado de arroz, leve salada de chuchu salpicada com cheiro verde e rodelas de ovo caipira (a gema é rubra). Onde tudo é estranho, onde o vento de dia toca de norte e de noite toca de oeste é preciso escolher, bem escolhido, o lugar de armar a rede para a sesta; o risco de pesadelos terríveis é alto quando o desejo de comer uma galinha inteira é frustrado, não passei das canelas. É uma preciosidade notar o fato das matriarcas gostarem de comer o pé da galinha, mas isso é assunto para outra vez e contarei junto com a grandeza d’alma que é a divisão da galinha entre os presentes no almoço da sexta-feira.
Bomba d’agua piando com força me acordou. Estava enxuto, então tirei do sol. A natureza é perfeita, cruel; bomba d’agua provavelmente foi o último ovo botado, consequentemente demorou a sair da casca e dado o tempo certo, sua mãe galinha, saiu do ninho senão toda a ninhada morreria; fizemos o parto de bomba d’agua! Uma “eleutria”! Eu nunca tinha feito, é algo que parece simples e não é, tem até cordão umbilical; não pode puxar a casca, tem de deixar o pintinho ir quebrando e saindo, o tanto que se pode ajudar é o tanto da delicadeza do ato. À noite botamos no ninho e a galinha aceitou, estou curioso, querendo voltar lá e saber se bomba d’agua sobreviveu; da ninhada anterior desta galinha só sobreviveu dois frangos. Já estou até com uma resma de papel comprada, lápis e borracha, afinal quando novamente eu chegar no campos gerais, na Fazenda Riacho das Cobras –pronto, outra história enorme- vou desenvolver os cálculos de quantas cabeças de galináceos são preciso ter no terreiro, para garantir o almoço de todas as sextas-feiras do ano com um frango(a) novo, sem falhar nenhuma. Considerarei ainda algo indispensável, remédio para muita coisa, a banha de galinha. Uma certeza eu tenho: bomba d’agua nasceu para me mostrar que a aparente fartura é falta. É a mesma regra de ouro da contabilidade: se deu sobra no caixa é porque falta! A mania ruim das pessoas de chegar nas fazendas e saírem querendo carregar tudo, mesmo o melhor galo do terreiro, não passa disso: mania ruim. Dois franguinhos levados, afinal, o que são dois franguinhos, pode significar duas sextas-feiras sem frango no almoço e com o agravante de que na fazenda não tem supermercado. Aquela dúzia de ovos com a gema rubra que alguém carrega e cinicamente diz que não sabe viver sem de vez em quando comer, é a linha divisória entre suprir ou não a quantidade de proteína necessária para o dia ou, custará uma viagem do fazendeiro na cidade para comprar outra proteína.
A Riacho das Cobras me faz muito bem, é tanta paz, é tanto silêncio e são tantas as coisas acontecendo, tanta história sendo vivida, sendo ouvida, sendo olhada, sendo sentida, tanto tudo! Até Diógenes! (homenagem ao filósofo) todas as tardes, bem a tardezinha, vem me ver, deliciar-se com as frutas do mandacaru, no tempo do juá com as frutas do juá e se nada tiver vem bater papo comigo, e contemplamos um cair de tarde de cair o queixo. (a foto de Diógenes ilustra a capa)
Fim.