Caros leitores,
Tive a sorte de conhecer José dos Reis Santos, Zelito, quando eu era adolescente e, acompanhando meu pai participava da conversa e da lavratura das escrituras das fazendas que o velho Coronel comprava. Deste tempo lembro de um caso em que sendo o casal separado, a mulher não assinava a escritura de jeito nenhum alegando não estar enxergando a linha. Uma labuta! todos empenharam-se em mostrar a linha e um óculos foi providenciado… outro óculos… até que a ficha caiu! Zelito, com larga risada, matou a charada: a linha era o dinheiro da parte dela! É um caso pitoresco e como este, são muitos e muitos casos para contar. A amizade foi se consolidando, ah! outra vez, eu estava fundando o sindicato rural de Santa Luzia então, Zelito, prazerosamente me orientando, mandou eu comprar um livro de ata. Olhei na livraria, custava três vezes mais em relação a um camalhaço de papel pautado; claro que levei o camalhaço! A vida é boa, ai, ai, foi muita risada. Depois, tive de voltar na livraria e trocar o camalhaço pelo tal de livro de ata (estava um tantinho contrariado). Foi quando tomei minha primeira grande aula; uma magistral aula de como lidar, abrir, numerar, fazer, escrever, não rasurar, consertar erros porventura escrito, lêr, atentar, interpretar, ter certeza e fé inserida na ata, e enfim, fazer o fechamento de um livro de atas. Bem, ganhei um professor paciente, incomparável, e anos mais tarde herdei um amigo (uma herança desta é para poucos).
Esta entrevista é fruto de muitas conversas em vários lugares; foram horas agradabilíssimas. Começamos durante um almoço em Camacã.
Blog- Tabelião Zelito, ou Zelito tabelião?
Zelito- Há quase cinquenta anos.
Blog- Ser oficial do registro civil, com funções notariais…
Zelito- O oficial do registro civil, com funções notariais é um funcionário da justiça, a quem incumbe dar forma autêntica, pública e solene a atos e contratos de natureza privada, registrando em livros de notas que ficam arquivados em cartório. Agora dê atenção: cartório é o arquivo onde se guardam as cartas, notas [risos].
Blog- É um delegatário?
Zelito- Sim. É um agente privado, no exercício de funções públicas.
Blog- Escreve muito e com fé. O que acontece se a caneta acabar a tinta?
Zelito- Conseguir nova caneta! [Com um suave sorriso] Já aconteceu muitas vezes [e entrelaçando as mãos atrás da cabeça] até poucos dias os testamentos ainda eram manuscritos. A caneta pode secar a tinta e não tendo outra da mesma cor azul, posso usar preta. O importante é não mudar a caligrafia. A letra tem de ser a mesma.
Blog- Para não suscitar dúvida?
Zelito- Sim. Os atos praticados por tabelião no exercício das funções, atribui a lei a presunção de verdadeira, fazendo prova de tudo quanto o tabelião lavre ou certifique. A parte tem de expressar a sua vontade, daí escrevo; não bolamos de cabeça.
Blog- A fé pública está na lei?
Zelito- Não existe direito sem a fé pública; quanto a lei, a emenda constitucional de 1969 reiterou.
Blog- Como anda a fé pública, está acreditada?
Zelito- A credibilidade é decorrência do modo de trabalho e confiança do tabelião. Decorre do critério rigoroso em que se pede os documentos para a lavratura da escritura, conforme exige o código de normas para cartórios extrajudiciais. No meu cartório eu nunca tive problemas; o que faço ninguém desfaz!
Blog- Era comum no Brasil imperial, deixar, em testamento, bens para os Santos, tipo: São José fica com a fazenda, São João com a casa… Ainda é possível fazer este tipo de escritura/testamento?
Zelito- Me traga os documentos pessoais do santo que eu faço!! [gargalhadas]. Estou brincando… sem documentos nada é feito. Há uma saída afinal, a vontade da parte prevalece; pode deixar o bem para a entidade religiosa, e não para o Santo.
Blog- Mas os documentos existentes em nome dos Santos, tem de ser respeitados?
Zelito- Claro! São documentos. Se a lei não revogou…
_ Fizemos uma pausa na entrevista; a chegada de alguns amigos nos levou para outra conversa. Voltamos com a entrevista outro dia, no finalzinho de uma tarde chuvosa; conversamos enquanto nos deliciamos com uma iguaria da culinária grapiúna: banana da prata cozida com um leve toque do cravo da Índia.
Blog- Continuando…
Zelito- Sim! Não existindo lei que revogue, vale o documento. São casos interessantes. Em Canavieiras e em Olivença… não é Ilhéus; é na comarca de Olivença, os terrenos são desmembrados das sesmaria, é documento do tempo do império! Nunca foi revogado, continua valendo!
Blog- Mas, o código civil…
Zelito- O código civil firma o princípio de que o instrumento público faz prova plena do ato praticado.
Blog- Mas…
Zelito- [Risos] Com a proclamação da república criou-se o tribunal de justiça, mas as leis do império não deixaram de valer. Tendo o documento, Vale!
Blog- Acontecendo do cartório pegar fogo, perde tudo?
Zelito- Não!! O cartório de Belmonte pegou fogo; queimou tudo. As percas são grandes, infelizmente. O tabelião guarda no cartório uma cópia, outra cópia vai para o cartório de registro e outra cópia fica com o proprietário. Muitas outras cópias espalham-se e é possível recuperar o perdido.
Blog- Fé pública e fé em Deus confundem-se?
Zelito- Nunca! [muito sério] Eu acredito em Deus. É outra coisa… é abstrato. A fé pública é real, é o que está escrito no papel. É o que eu reconheço e você reconhece. É a certeza do que está escrito é firme e valioso.
Blog- Alguma coisa que eu não perguntei e você queira falar?
Zelito- A fé pública atribuída aos tabeliões atende a exigência da ordem jurídica. Na sede das avenças privadas, o documento público deve pairar acima de suspeitas infundadas; e a vontade extrema do homem, é para ser cumprida após a morte; o tabelião concorre para o estabilidade dos direitos. É o que tenho a esclarecer. Fiquei muito feliz em podermos fazer esta entrevista; foi agradável.
Blog- Não tenho palavras para agradecer pela entrevista. Foi com imenso prazer! Dou fé! [risos]
Fim.