Sexagesimalmente falando existe vida sexagesimal. Foi Deus! Sexagesimalmente a infinita e abstrativa matemática deu compreensão ao homem de que Deus nos fala. E, canta aí Gilberto Gil “Se eu quiser falar com Deus/…/ Tenho de ficar a só/…/ Tenho de encontrar a paz/” Hummft Deus chato, exigente!
Lá pelos cafundós do início dos anos 70 de século passado, na escola, fui ensinado a pensar pelo sistema decimal; o Brasil adota o sistema decimal (por influência da atéia revolução francesa). Todo o dia a dia de um brasileiro é regido pelo decimal, exceto a hora; que aprendi por repetição e osmose… passei toda juventude sem compreender as horas, meus professores não foram capazes (por incapacidades mil, não vem ao caso) de me fazer compreender; também não aprendi suficientemente bem o cálculo de tarefas, só sabia; no dia a dia usava o conceito decimal que dá 4.356 metros quadrados. Bicho papão da peste, pega uma vara, mede, tantas varas, soma isso com aquilo, zero engole zero, puxa pra lá, arredonda, e o resultado, ahhh o resultado é ótimo, tanto e tantos quadrinhos! Diabo de quadrinho! Arranjou isso onde?
A cultura brasileira é magnífica, na feira-livre se compra bananas por dúzias! Isso sempre me intrigou e perguntando sempre ouvia: é medida velha. Pois bem, pois foi na feira-livre que ouvi e vi uma transformação nessas medidas velhas, os “cultos modernos” pedem um molho de coentro. Adoro ouvir, mas prefiro continuar comprando um móio (antiga medida) de coentro. E eu embaixo duma laranjeira despencando cachos de bananas vindos da fazenda, displicentemente, sem hora, parando para amolar a faca, vi que jamais eu comeria tantas bananas, nem fazendo doce; e contei numa penca doze bananas; outra penca doze bananas; outra e outra e ué! A maioria das pencas tem doze bananas; mas!? Nada. Só. Outra coisa gostosa é debulhar feijão andú sentado na varanda apreciando o tempo; feijão bem verdinho, que cozido levemente parece ervilha e serve até para botar na salada, e deixe o espírito leve, se precisar, tome uma gota de vinho; deixe, atenue, e conte quantos grãos tem numa vagem; a maioria tem seis, é isso, meia dúzia. E eu que pensava que feijão catador não era feijão, é! Que coisa, aliás, também achava que andú não fosse feijão e é, mas… onde eu ia mesmo, ahhh! Debulhe o feijão catador o bicho é farturento, caroção, três vagens e já sente a peneira encher, grandão. Intrigante é contar os grãos a maioria das vagens tem dezoito; exatamente uma dúzia e meia. E a melhor galinha do terreiro, dona Joaquina, chega ciscando as cascas sendo graciosamente imitada pelos doze pintinhos; sim senhor, doze pintinhos.
Impossível é não acreditar que o taaataravô de Adam Smith viu e notou esses caprichos deixados na lei da natureza por Deus; impossível. E lá, uns caras feios da peste, com o cabelo mal cortado, barba por fazer, unhas quebradas, inteligentíssimos, foram formatando as medidas e as trocas; a onipresente dúzia a impor seu reinado. Daí, Adam Ramessés Smith (tataravô do rio Nilo) desenvolveu a teoria de comercialização e troca dos feijões (ainda não existia o papiro foi escrita na areia; o rio encheu e apagou. Eu sei por saber). Resolvido o problema da comercialização, tinha outro mais chato ainda: o rio! Ô trem empesteado. Entra ano sai ano e o desgraçado a destruir os limites, as formas; e os feios intelectuais procurando uma solução de como e quanto de terra conceder a quem tivesse sementes para plantar. Errando a conta a pena era a população passar fome. Leonardo Nabucodonosor Fibonacci (tataravô do rio Eufrates) teve uma grande sacada, ora, se tudo vem de Deus e o rei é Deus, vamos medir o rei! Da ponta do dedo a outra ponta do dedo com os braços abertos, mediu uma braça; pegou uma vara, marcou certinho, serrou; pronto, tinham uma medida (2,20 metros). Com esta vara na mão resolveu sair pelo mundo alardeando “eu tenho uma medida, a medida do rei-Deus”, até encontrar Évariste Galois ainda meio tonto do tiro tomado;
_ Vai medir como, que fará com ela? Deus te ensinou as instruções? Para que serve uma medida sem uso e sem aceitação? Perguntou Évariste Galois.
Deu de ombros e continuou caminhando; a todos repetia “eu tenho uma medida, a medida do rei-Deus”. Encontrou Arquimedes, todo cheio de “pi” pelas costas, delicadezas mil, percepção aguçada; observou. Gostou; uma vara com a medida do rei-Deus, analisou. Não fosse a heresia de Arquimedes fazer um círculo perfeito com a vara, teriam ficado amigos; era uma vara de medida e não de desenho. Seguiu sua peregrinação mundo afora e, nesse tempo já falava com as estrelas, com os animais, até com as pedras, e com crianças, por fim perguntou ao léu: eu tenho a medida, mas, e a chave? Como funciona?. Estava em Alexandria, um burburinho desgraçado, gente pra todo lado; cansado, encostou na enorme pilastra e num terrível deserto espiritual, dormiu. Era a entrada da biblioteca de Alexandria, sol alto, um cara meio atrapalhado das idéias sentou ao lado; soube que tinha na cidade uma pessoa alardeando ter a medida do rei-Deus, e, precisava de uma medida para medir o mundo. Encontrou Eratóstenes!!
_ Medir o mundo! –pensou, pensou- É uma boa idéia; se conseguirmos!
Partiram de Alexandria rumo a Assuã, uma labuta dos infernos, bota a vara no chão, ajeita, faz uma marquinha, novamente, outra vez, nova marquinha, ajeita a vara; no terceiro dia dessa incrível epopeia, surreal, louca, ora medir o mundo! Nabucodonosor Fibonacci estava exausto, já desacreditava daquilo; não conseguia bradar “eu tenho uma medida, a medida do rei-Deus”, sua voz enfraqueceu. E, “eu vou parar o mundo”, aguçou o ouvido “um dia a terra vai parar”, levou a mão ao ouvido não acreditando naquilo “no ano 2000 a terra vai parar” naquele ermo um profeta! É demais! Incansável, Raulzito Tutancâmon Seixas (taaaataravô de Raul Seixas) chegou chegando e bradando, não pediu atenção, nada; com uma rasteira botou os dois sentados e lançando facas com o olhar disse “o mundo vai parar de girar, veja o sol; a terra é redonda.” Tinha a graciosidade duma criança.
_ Vim para medir a terra, ela é redonda. Mas explica direito esse bagulho aí. Disse Raulzito.
Aquela foi à noite!! Jamais teve outra noite igual nas margens do rio Nilo; Além de muitos odres de vinho italiano, trazido por Fibonacci, Raulzito acendeu um charutão perfumado, deu uma tragada arromba peito, empunhou a guitarra e “Eu nasci há dez mil anos atrás/ E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais/” com meninices rasgou o solo na guitarra, gritou: quebra tudo Tósteninho! O fidalgo clérigo Fibonacci compenetrado no baixo tentava botar ordem no rockão enquanto Eratóstenes já com um cigarrão mal arrumado no queixo quebrava tudo na bateria, quando, num sonoro coro o trio gritou para o mundo ouvir “E praquele que provar que eu estou mentindo/ Eu tiro meu chapéu”. Ergueram o último brinde da noitada, brinde de copo cheio
_ Brindar a quem? Perguntou Fibonacci
_ Ao coronel Xela! Ele, quando inventarem a internet vai publicar essa história. Profetizou Raulzito.
Dormiram, dormiram, dormiram. Sonharam, sonharam, sonharam… sonharam um só sonho, todos; sonhos com agricultores plantando e colhendo, lavrando e irrigando, cuidando e caminhando; Deus deixou em sonho que eles contassem quantas passadas um agricultor dá no perímetro de sua lavoura; Deus deixou que eles vissem quanto de terra um agricultor consegue dar conta com o suor de seu rosto; Deus deixou que eles vissem o tanto de sementes plantadas por um agricultor naquele quadro; Deus deixou seus espíritos leves e “Tenho que folgar os nós/…Dos desejos, dos receios/”
Irreverente, Raulzito acordou cantarolando “Ado, ado, ado, cada qual no seu quadrado…” e apurando os olhos quase não acreditou no que viu, na areia da praia estava um furdunço gente de todos os lugares; Eratóstenes e Fibonacci desenham com esmero quadrados na areia. Lucy chegou com um radiozão (presente de Donald Johanson) tocando os Beatles; foi ciceroneada por Sir Isac Newtom que disse: “quando me apoiei no ombro dos gigantes intelectuais que me antecederam, vi você. Obrigado Lucy”. Santo Agostinho conversava com Einstein sobre o tempo do feixe de luz em percorrer cada lado do quadrado. Évariste Galois dava pressa em tudo e em todos, não tinha tempo, precisava logo daquele resultado para resolver as equações de quinto grau. Aristóteles conversa com o inventor da roda
_ Devia ser círculos e não quadrados. Diz Aristóteles.
_ Rumpft… rumpft. O inventor da roda ainda não sabia falar!
_ Trabalho perdido –continuou Aristóteles- no futuro as lavouras será em pivô central. O futuro está no círculo.
Amenadiel Michelangelo (taaataravô de Michelangelo Buonarroti) placidamente montou seu ateliê na margem oposta do rio e ficou entalhando na pedra a cena, gostando por gostar do que fazia, achando interessante a visão. O velho Raulzito demorou a arrumar os grilos na caixola, tanta coisa! E inacreditável! Não é que os caras estavam medindo mesmo! Resolveu ficar afastado olhando em perspectiva; era intrigante. Eratóstenes usava um “espelho” para direcionar um feixe de luz e assim conseguir quadrados perfeitos; fizeram o primeiro: uma vara em cada lateral. Depois resolveram fazer uma dúzia de quadros de cada lado, fecharam o quadro e contaram: 144 quadros. Acharam bom! Raulzito via do outro lado do rio lavouras, comparou, e gritou “tá pequeno”. Como todos sonharam o mesmo sonho, nada questionaram, foram acrescentando quadros até Raulzito gritar “tá perfeito”. E como nada é feito sem que um retratista aprove, Anemadiel Michelangelo levantou o ponteiro de entalhe e, com o polegar servindo de ponto de mira, fez a conferência perspectiva das medidas da cena; repetiu meia dúzia de vezes; trocou de posição e de ângulo visual também meia dúzia de vezes, enfim acenou para Raulzito gritando: “Ok. Tá perfeito”. E voltou a rapidamente entalhar a pedra retratando aquela cena histórica. Nabucodonosor Fibonacci sorridente, cheio de luz, com passadas firmes, foi contando os quadrinhos, achando de um lado exatamente duas dúzias de meia; e do outro lado exatamente duas dúzias e meia! E um total de setenta e cinco dúzias de quadrinhos!! Gostou; era o tamanho ideal para as tarefas do dia a dia duma família… e muito parecido com o tamanho que habitualmente já plantavam. Gostou e gostou, gostou muito das medidas; e sorriu placidamente, ficou sonhando o sonho sonhado enquanto fitava a cena; fitou Pitágoras viu sua inquietude, acompanhou seu olhar e viu um pequeno triângulo perdido em meio as plantações, deu-lhe um tapinha nas costas dizendo: “tá fácil crie o teorema de Pitágoras”. Phúúúúú, phúúúúúú (o apito tirou a concentração de Amenadiel Michelangelo), do navio a vapor “Marajó” desceu, impecavelmente vestido e penteado, Irineu Evangelista de Souza o Barão de Mauá, trazia uma carga de varas de madeira com a medida do rei-Deus e imediatamente negociou com o rei toda a carga. Presenteou Nabucodonosor Fibonacci com uma “vara” de jacarandá, toda entalhada e com as pontas de ouro; e disse: agora as medidas são justas! Com a rapidez de raciocínio só possível a um exímio comerciante o Barão de Mauá falou a multidão: “Setenta e cinco dúzias é uma constante e cada quadrinho tem uma vara quadrada. O total de quadrinhos de um lado é somado ao lado oposto e dividido por dois; depois multiplica os resultados e daí é só dividir pela constante. Muito simples!” E Arquimedes sentiu um estalo na paciência, uma constante!!, ora, ora, por hora, ummm, uma constante… se “pi” fosse uma constante, ummm, ummm, acordou na Grécia.
Vamos brincar botando 33 quadrinhos de um lado e no lado oposto também 33. Agora 30 quadrinhos e mais 30 no lado oposto, formamos os quatro lados. Somo os lados opostos e divido, achei 33 e 30. Multiplico e acho 990; achei o total de 990 quadrinhos! Basta dividir pela constante (75 dúzias é igual a 900) 990 dividido por 900 dá uma tarefa e noventa quadrinhos; ou 82 dúzias e meia dividido por 75 dúzias dá uma tarefa e noventa quadrinhos! Feito na máquina de calcular o resultado aparece assim “1.1” ou seja: uma tarefa e dez por cento; pelo pensamento decimal!! Não acredita!? Cada quadrinho tem 4,84 metros quadrados, vezes 90 é igual a 435,6. Ora dez por cento de 4.356 dá quanto?!
Era meados dos anos 1980 quando compreendi o sistema sexagésimal, foi numa paz de espírito muito boa, uma boa época. Pode fazer a conta do jeito que for sempre dará certo, é matemática! Quanto a história, bem quanto a história isso rende muitas outras histórias e quem disser que estou mentindo eu não tiro meu chapéu mando procurar meu amigão Jean-François Champollion, e fazer uma banca com ele, afinal, tudo está escrito lá nas pirâmides do Egito. Eu testemunhei Amenadiel Michelangelo entalhando a cena!! Enquanto ouvia o gigante Gilberto Gil, no deserto, só com um violão, cantar: “tenho de esquecer a data/ …/…/ ter a alma e o corpo nus.”
Fim.
Alex Terra.