Caros leitores,
Aquele ano era 1989 e aquele dia (o dia da infâmia) era 22 de maio e ficaria profundamente marcado na memória dos cacauicultores baianos; correu que nem fogo no rastilho de pólvora a notícia do atentado terrorista da vassoura-de-bruxa. Que cacauicultor não lembra vivamente deste dia!? Impossível achar um! afinal foi o dia da infâmia.
A revista Playboy de maio de 1989 estampava Regina Meneghel, sem silicone, sem excessos em academias; simplesmente bela e feminina. Na contra capa uma vistosa propaganda de cigarro. O entrevistado foi Fábio Feldmam1 e ao ler fiquei assustado, vi satanás nas respostas. Era uma segunda-feira e a revista veja trazia na capa a manchete “Terror e Tensão: a bomba em Volta Redonda, os tiros no ABC, a onda de greves, a desobediência às leis e a falta de autoridade do governo colocam o país em estado de alarme”. A Legião Urbana cantava “pais e filhos” e quem não dançou a lambada “adocica” de Beto Barbosa. Também em maio estreou no cine Iguatemi I o filme “Indiana Jones e a última cruzada”, no cine Iguatemi II passava a comédia “Hally e Sally: feitos um para o outro” adorei esse filme! A grande novidade estava na capa da revista Quatro-Rodas, o Escort 1.8. Com a Autolatina os carros Ford ganharam o novo motor 1.8 e o velho coronel comprara um Del Rey na Mesbla veículos no iniciozinho deste fatídico mês; era o típico carro do coronel do cacau {este seria seu último Del Rey}.
O feriado de Corpus Christi caiu na quinta-feira dia 25 de maio por isso resolvi passar a semana em Salvador, tinha chegado sábado. É a vida e como a vida tinha sorrido pra mim, eu já era um jovem coronelzinho do cacau, assim tornado do modo mais chique que pode existir; simples assim: quando fiz 21 anos ganhei de presente de meu pai, o velho coronel, uma fazenda. Eu colhia mil e duzentas arrobas de cacau; também tinha piaçava e um lote de garrotes engordando nos pastos. Mas é claro que eu sonhei! até o dia da infâmia eu sonhei em colher doze mil arroubas de cacau, e marquei data para acontecer seria até maio de 2016 quando faria 50 anos. Eu como um bom coronel, claro que tinha um cargo político, eu tinha fundado o Sindicato Rural de Santa Luzia e naquele infeliz [para toda a humanidade] dia eu estava na Federação da Agricultura do Estado da Bahia (FAEB), era o presidente do sindicato e naquela tarde soube da notícia……. o presidente da FAEB ficou indiferente, deu uns poucos telefonemas e só. Um dos diretores minimizou a situação dizendo que a CEPLAC cuidaria de tudo. Algo me dizia que uma coisa muito grave tinha acontecido, ainda não tinha consciência, mas a atitude fraca da FAEB muito me preocupou, sem política não há ação. Saí dali e aproveitando o ensejo, estava próximo, resolvi passar no escritório da Joanes industrial. Sem muito que falar, meio perdido, mesmo atabalhoado, perguntei sobre o comportamento dos preços do cacau já que tinha sido atendido pelo executivo comercial; quase uma hora de conversa, uma aula, mas uma aula nada boa. Concluí que o piso mínimo do acordo internacional do cacau de 1.750 dólares por tonelada tinha caído, o acordo já não mais valia e as indicações para o resto do ano e para 1990 eram de forte queda.
A entrevista da playboy não saia de minha cabeça, cara louco da pôrra! tudo sem pé nem cabeça. Tudo estava difícil ainda mais com os preços despencando, o fuxico da instalação de uma junta do trabalho em Camacan corria solto o que só pioraria as coisas. Na sede do Conselho Nacional dos Produtores de Cacau –CNPC- em Itabuna, um moderno prédio cheíssimo de obras de arte exaltando a riqueza da civilização do cacau, eu tinha notado o aparecimento cada vez mais constante de estrangeiros empalitozados que conversavam baixo, abraçavam-se muito, tratavam-se no diminutivo e paravam a conversa quando eu chegava; aliás, corriam de mim como o diabo corre da cruz. Soube pela boca do presidente do CNPC que eram de ONGs (financiadas por quem? Tentem adivinhar!) e que estavam lá vindos da Universidade Estadual de Santa Cruz –UESC- a título de fazer pesquisa. Todos esses detalhes eu estava juntando no pensamento e por mais que eu tentasse enganar-me repetindo pra mim mesmo que era só coincidência, não conseguia. Sempre chegava a conclusão que algo de muito grave tinha acontecido e que a cacauicultura baiana estava ferida de morte. Continuava pensando e repensando outros miúdos acontecidos que juntando encaixavam-se como um lego, enquanto bebericava um whisky no restaurante do SENAC na Casa do Comércio; as luzes da cidade começavam a acender e a cidade foi se mostrando em sua beleza noturna. Um primo meu também vezeiro no happy hour na Casa do Comércio chegou apressado, pediu um whisky duplo e contou a novidade (que já não era novidade) a vassoura-de-bruxa tinha chegado na Bahia! Éramos quatro à mesa e discutimos este assunto no tempo de uma rodada de whisky, e só. Brindamos e conversamos muito sobre os novos prédios que surgiam naquela região, diferentes, bonitos, com cores fortes, e que, provavelmente, o prédio da casa do comércio tinha influenciado muito este conceito arquitetônico. Ninguém ainda sabia, mas este seria o último happy hour de uns jovens cacauicultores, o último. Saí dali num Escort XR3 e dei carona pra um, os outros dois saíram cada um em seu Del Rey, em seu último Del Rey. Assim foi o último dia da civilização do cacau; o último!
1- Revista Playboy nº 166 maio de 1989
Coronel Xela.
Respostas de 4
Muito bom! Você conseguiu marcar uma data temporal, com muita sensatez, dessa fatídica intempérie que ocorreu na lavoura cacaueira e que nos trouxe muito aprendizado em nossas vidas!
Excelente crônica sobre os costumes de uma época e como o descaso político muda para sempre uma região!
viajei no tempo !!! muito boa escrita do Coronel Xela. Obrigado amigo, por essa alegre triste lembrança.
Gostaria de parabenizar o autor dessa matéria fidedigna do que realmente estava acontecendo e como consequencia 250.000 trabalhadores rural desempregados e exodo rural deslocando para São Paulo, Vitoria, Guarapari e Porto Seguro.
Parabéns pelo relato do autor