Caros leitores,
Foi uma semana cheia de decisões, de soluções, de negócios novos e graças a Deus de novos problemas, que existem para serem resolvidos. Conversava com um novo conhecido no centro financeiro de Vitória da Conquista (Praça Barão de Rio Branco), quando lembrei do escritório de compra de cacau do Grupo Chaves que tinha nesta praça. Como pode! O município estava fora da região cacaueira; o argumento era da cidade ser residência de cacauicultores. Na cobiçada agenda distribuída pelo Grupo Chaves aos clientes tinha a relação de filiais, e consta Vitória da Conquista, lembro na de 1981 e 1982. Não tive como não ficar pensativo com o fato, o cacau empurrava sua riqueza até a capital dos sertões; como podia. Neste contexto puxei um longo arco até hoje, faz um ano que os preços mudaram de patamar compensando 40 anos de inflação em dólar, entretanto, olha que coisa, muito pouco mudou e o dinheiro não apareceu, principalmente para o comércio.
É interessante notar o conceito de riqueza, imagine um fazendeiro que acha ouro na fazenda, garimpa sozinho, e decide guardar tudo; não vende um grama. Outro fazendeiro vai à cidade e decide reservar um hotel, deixa cem reais de caução; então o hoteleiro paga cem reais ao leiteiro; que paga cem reais ao padeiro; que paga cem reais ao farmacêutico que devendo noventa reais ao hoteleiro, e em atraso, paga com cem reais deixando uma usura de dez reais. O fazendeiro ao voltar decide cancelar a reserva e tem a caução de volta… é de rir, qual gerou mais riqueza!? Este era o paradoxo do cacau.
Quem inventou ou implementou os conceitos e práticas da comercialização do cacau é história para outro artigo, neste vou ater só no que já estava funcionando; e bem! Velhos, eu fico até emocionado só em escrever tal complexidade social, é quase impossível para quem não viveu tal experiência, compreender como um cacauicultor (ser analfabeto ou não é pouco relevante) pouco instruído compreendia as intricadas operações financeiras que viabilizavam sua fazenda; entender isso é muito complexo, pois envolve um planejamento financeiro de longo prazo. Aparentemente isolado no meio de uma mata, contra tudo e contra todos, era capaz de conversar fluentemente sobre Bolsa de Valores e mercado futuro! Mesmo lá no comecinho de tudo, naquele tempo que passa nos livros de Adonias Filho quando Jacareci1 começava a arruar2, em que o rádio era dificílimo, lá no fundo da mata alguém botava um comércio n’algum carreiro de gente ou tropa, então o milagre acontecia: do nada todos que passavam, um por mês ou um por hora, traziam na ponta da língua “o preço do cacau”. E olha que fenômeno social, era verdade! Tudo era verdade, o preço, a tendência, quem estava comprando ou vendendo, e até se chovia ou não em Londres. Quando alguém passava com sementes de cacau imediatamente era convidado para uma conversa, daí o vendeiro se transformava em banqueiro e o primeiro negócio realizava-se; a compra não era anotada num caderno destinado ao fiado comum, o valor ia para uma nota promissória assinada (ou botada a digital) por um cacauicultor, nascendo assim uma letra cambiável. Montado em um boi o vendeiro levava a letra até o arruado onde vendia; ou trocava por outra letra de menor valor, porém mais aceitável, podendo trocar por secos e molhados para sua venda. Está longe de terminar, esta saga é uma confusão da peste; agora na mão do comprador de cacau (agente financeiro) a letra viajava no alforje da melhor mula de sela das redondezas, para uma comarca onde novamente era vendida, só que desta vez um contrato de compra e venda era lavrado e levado a termo, assim ficando no cartório. O cacau não existia, o cacaueiro ainda seria plantado e o dito tal já tinha como que uma certidão de nascimento! A letra cambiável estava legalizada e cada vez mais confiável, agora era seguir para o porto mais próximo onde ficavam as firmas exportadoras que compravam a letra, ou trocavam por letras assinadas com canetas de ouro; no imaginário popular estas letras, por corruptela, ganharam o apelido de “letras de ouro” e o contexto de “fulano tem muitas letras de ouro”. Acabou não! Imagine aí a estripulia que aquela nota promissória emitida pelo futuro cacauicultor, na mão de quem tem o conhecimento para usar uma caneta de ouro faz! O trem vai parar em Londres! E bota a bolsa pra girar! Chega lá junto com a notícia: A Bahia está plantando muito cacau! E no retorno do navio que levou a letra cambiável até Londres, desembarcam em Ilhéus mais três suíços trazendo recursos para investir na cacauicultura; quando a roda da fortuna gira todos anseiam ganhar.
A quantidade de cacau que a Bahia produz atualmente é parecida com a de 1970, a diferença de riquezas geradas está na velocidade que o dinheiro troca de mãos e na abundância de crédito; crédito não é renda, entretanto gera riquezas. Este modelo de negócio foi quebrado com o fim das exportações, no inicio dos anos 1990. Sem crédito bancário, sem crédito na comercialização, sem poder proteger-se da variação de preços pela interrupção das operações na bolsa, sem crédito na praça para comprar os insumos agrícolas, sem crédito para comprar o pão nosso de cada dia, sem a segurança de leis justas, sem certezas para investir, sem confiança do retorno do capital, a riqueza gerada pelo cacau gira devagar a ponto de não ser “sentida”. Claro! O cacauicultor sentiu uma melhorada nas finanças, é evidente. Entretanto, n’alguma noite quente, algum cacauicultor pensa em como e a quem interessou quebrar a corrente que unia o cacauicultor a Londres. Quem?
Os cacauicultores continuariam…
1- Hoje é distrito de Camacan.
2- Momento em que a quantidade de casas começa a formar rua. Assim Adonias Filho expressou seu pensamento.
Coronel Xela.
Uma resposta
Parabéns coronel Xela, sua escrita é sempre prazerosa a de muita utlidade.