Caros leitores,
Era uma vez cinquenta anos que passaram em três horas; e era uma vez três praças que conheci e vivi de modos completamente diferentes, percebidas por um olhar míope [quem pouco vê muito sente.] Era uma vez na praça da Piedade que conheci lá nos cafundós do ano 1971, tinha lambe-lambe com seu medonho gesto de enfiar a cabeça num pano preto, imagine isso no imaginário de uma criança de 5 anos! Era domingo e tinha muitas crianças, com efeito, tinha vendedores de quebra-queixo, cocada, picolé, o carrinho do cafezinho, e pipoca. Não brinquei, não levantei do banco; era muita coisa para eu observar, tinha prédio alto, tinha igreja, tinha estátuas e fonte luminosa; a tarde passou rápida e feliz. Foi sábado passado (09/11) que ao sair da igreja da Piedade me lembrei desta cena, daí, resolvi passear relembrando.
A praça do relógio de São Pedro ficou mais gravada em minha memória, ainda tem a lanchonete onde neste 1971 eu gostava de comer kibe com suco de limão. Minha primeira calça foi da Petronius Modas, que ainda está lá no mesmo lugar. A lanchonete Savoy estampa em seu letreiro “desde 1975”. O descolado Kibe Chopp não existe mais; tomaria um chopp se aberto estivesse. Meu primeiro skate foi comprado na Gidi Brinquedos; conheci e subi em escada rolante na fundação Politécnica; tinha a Mesbla; tinha a Duas Américas; nas Lojas Americanas tinha uma jóia da culinária americana, o Hot Dog (assim, escrito deste jeito). Eu gostava muito e comi muitos, acompanhava batatas fritas em rodelinhas bem salgada. Como eu posso esquecer!! Bem em frente da agência da Caixa Econômica Federal tinha o melhor acarajé, chegava às 17hs e tinha fila pra comprar. Velho, o problema é que o tempo passa rápido e 1980 chegou comigo frequentando a academia de judô Shiosawa, no beco da Fôrca, onde na esquina com a Carlos Gomes está até hoje a Gooday ,e, claro né, novamente comi a tradicional esfirra… continua boa! Suculenta, bem (bem mesmo) temperada, massa fina; velhos, quando notei o caldo estava escorrendo no cotovelo! Conta à lenda que quem come morre; e daí! Afinal os mangados também vivem.
Conheci o largo Dois de Julho no tempo da academia Shiosawa, tinha uma padaria, numa esquina, que servia pão quentinho com manteiga e suco de laranja, um lanche barato e gostoso; a turma do judô gostava e eu ia junto. Manhãzona de sábado é dia de feira no Largo, zigzagueei olhando tudo assuntando os diversos tipos, as gentes, os modos, os costumes, o tamanho do tomate, o corte da carne, o peixe que mais sai; os diversos cheiros das ervas usadas para tudo, do temperar a panela ao espantar olho gordo, fui vivenciando a quase incompreensível baianidade. Fui passeando, passeando, o diabo existe, a carne é fraca, terminei escolhendo um boteco de esquina tipicamente soteropolitano; pra libertar logo o espírito comecei com uma pura com caju e sal e quase imediatamente recebi o convite para compartilhar a mesa com um cidadão, que me perguntou de que banda eu vinha. Ô prosa, logo estávamos falando do Baitakão da rua dos Barris, onde, não nasceu ainda, quem comeu um manga-larga e não sujou a camisa; muito riso. O sanduíche era grande e muito gorduroso… quando nada não tinha a fama de comeu, morreu. Olha que viagem o cidadão também abriu sua primeira conta em banco numa agência na Piedade; tinha de ter outro correntista para abonar a assinatura! Quem quebrou meu galho naquele 1984 foi um, até hoje, grande amigo que, jovem, já trabalhava no restaurante Casa da Gamboa. A sorveteria Primavera ficava na Praça de São Pedro e como a filosofia é nascida em boteco, o novo amigo discerniu sobre o leite em pó e o achocolatado jogados sobre o sorvete, que este sim era o motivo de tantas crianças gostarem. Dizem que boteco é coisa de satanás; né não! O cidadão achou de lembrar do Curso Águia e do inimitável Rei do Hot Dog, o rei da madrugada, afinal quem não comeu aquele revigorante sanduíche, cujo segredo da delícia estava na uma tonelada de maionese, que as quatro horas da manhã levantava até defunto! Muito riso, muita história e a conclusão que vida boa não mata ninguém.
Mais uma Brahma e a essa altura o botequeiro também participava da prosa, vidão mais ou menos e um apaixonado pela Banda A Cor do Som (note a baianidade) botou pra tocar o vinil na elegante vitrola e, ahhhhh encantei-me com o modo de servir o tira-gosto, quanta criatividade é impossível resistir. Uma azeitona servida na ponta do palito; um taquinho de queijo tipo reino também no palito; uma rodelinha de salsicha no palito; uma fatia quase transparente de presunto parma delicadamente espetada na pontinha do palito; tudo por módico dois reaiszinhos. Comi de todos, não refuguei nenhum (até uma rodelinha de palmito) e estou aqui vivo pra contar! O melhor de tudo é ficar matutando a vida e chupando o salzinho do palito, tomar um gole grande, passar aleatoriamente o palito nos dentes e puxar o salzinho novamente. Vida boa, coisa boa, prosa descontraída e alegre, fundo musical excepcionalmente contextuado, não é preciso muito para um passeio legal e, verdadeiramente, o passado não é melhor o que falta hoje é a sensação de segurança. Junto com “desconhecidos” gentes boa viajei cinquenta anos numa Salvador cheia de baianidade, mas atualmente difícil de ser vivida devido à violência. Era quase meio dia quando o companheiro começou a philosofar sobre a teoria de Ptolomeu, geocentrismo, heliocentrismo e o escambau! Falar de Ptolomeu em boteco é de lascar, o trem tá descarrilando; e rindo peguei o caminho de casa; fui almoçar.
Alex.
Respostas de 8
Bons tempos de uma Bahia onde o dendê do acaraje era nosso…
Mais uma vez parabéns Coronel
Fiquei com agua na boca, faltou a misterpizza no Porto da Barra
A pizza mais saborosa que comi na minha vida
Esse Coronel, essa Bahia…parabéns!
Barbaridade tche !
Muitas das citações conheci e desfrutei… aportei por aqui em 76…. era bom ,erguer a mão e os carros de darem.oportunidade de travessia…
ENCANTO
Parabéns Alex Terra,
Recordações maravilhosas!!
Como tudo passa tão rápido….!!
Parabéns amigo, por nos levar junto a suas lembranças que também se tornam nossa
Parabéns Alex, texto de deliciosa leitura, muito agradável e rica em detalhes, o que nos permite ser parte da história narrada.
Olá Alex . Viajei . Obrigado. Abrs