Caros leitores,
Naquela quinta-feira, daquela primavera, daquele fatídico ano de 1989, à tarde, pontualmente eu entrei no edifício Módulo Center na magnífica sede do Grupo Chaves. Era de encher os olhos e cair o queixo, tudo que a civilização do cacau produziu ali estava expresso; obras de arte em todos os lugares até os cinzeiros eram em forma de cacau, o ar condicionado gelando o ambiente e todos muito bem vestidos. O anfitrião me recebeu muito bem, fui o primeiro a chegar, e aconselhou-me “jovem, tenha um blazer. Assim você fica elegante.”
Foi uma reunião com a nata do mundo business ligados a comercialização do cacau, acho que das pessoas presentes só tem eu vivo! Falaram do preço na bolsa que ameaçava romper a barreira mínima do acordo internacional de US$ 1.750,00 a tonelada; o gerente comercial da Joanes discerniu longamente sobre os novos plantios na indonésia; a Nestlé insistindo no melhoramento da qualidade; o anfitrião querendo dados para ajustar seu negócio nesta realidade de preços em queda, custos em alta; e eu apreensivo, pois ninguém falava em vassoura-de-bruxa! Os caras conheciam o mundo todo, alguns tinham operado diretamente na bolsa de Londres e nenhum estava preocupado; será que só eu percebia a gravidade? A sombra do prédio foi se projetando sobre o rio cachoeira, até que tomou; perdi o interesse no assunto da pauta “futuro da comercialização do cacau” e prestei atenção só nas pessoas, na linguagem corporal, na entonação de voz. O cara da COOPERCACAU previu que seriam cinco anos de preços baixos, daí contou teatralmente um leriado da peste sobre o cacau na Indonésia; ponto final. Foi no Baby-beff Messias onde jantei com dois dos participantes (eram oito na reunião); carne muito macia, whisky com muito gelo, ambiente muito legal e amplo, música agradabilíssima, tudo muito bom. E ouvi tudo sobre o mundo corporativo das indústrias, sua visão global de comercialização e do interesse em ter matéria-prima suficiente. Da vassoura-de-bruxa nem uma palavra!
Dormi em Itabuna e como aos 23 anos a vida é uma efervescência, resolvi conhecer e passar o final de semana em Vitória da Conquista; esta viagem mudou meu modo de olhar a vida.
Uma rodovia muito aprazível, boa aos olhos; muitas fazendas belíssimas, muita riqueza, fábrica de adubo orgânico, misturadora de sal mineral, quanta coisa! Em Ibicaraí um outdoor da faculdade Montenegro chamou fortemente minha atenção, alertava para as matrículas abertas… e então caiu minha ficha! Comecei a pensar nas conversas do dia anterior, naquela coletiva despreocupação, afinal a vassoura-de-bruxa teria força suficiente para destruir a região? Seria só excesso de zelo e preocupação minha? Eu estaria sendo pessimista demais? Tínhamos falado muito em mercado global, fundamentos econômicos, robustez das instituições, e etc… etc… Em Firmino Alves encontrei uma grande construção inacabada e uma placa dizendo que seria a futura sede do Sindicato Rural. Mais dois minutos de viagem e se descortinou um mundo de pastos, tinha saído do maciço cacaueiro; para trás tinha ficado um porto marítimo, um aeroporto com voos regulares, o maior centro de tecnologia e pesquisa em cacau do mundo (CEPLAC), uma estação experimental com um banco genético imenso (a Joaquim Baiana), uma escola técnica excelente (EMARC Uruçuca), muitas trades exportadoras, um parque industrial baseado na agricultura enorme e diversificado, a COOPERCACAU, a COOFABA, a COOGRAP, uma universidade (UESC); mais uma faculdade e fábrica da coca-cola em Ibicaraí. Em Itapetinga encontrei além da pecuária moderna e pujante, um frigorífico, a COOPARDO, a fábrica do leite Glória; que concorria com a Nestlé em Itabuna. Também uma escola técnica (EMARC Pecuária) e uma universidade (UESB). Passando em Itambé fiquei encantado com a estação experimental da EBDA (a Manoel Machado), parei o carro para admirar; estavam colhendo milho para silagem num talhão e já plantando novamente, tudo irrigado. Todo o plantel de gado nelore tinha sangue de “karvadi”1, tudo de mais moderno na pecuária ali estava representado. É interessante notar a sensação que tive novamente, chegando ao topo da serra do marçal, descortinou ao meus olhos uma imensidão de cafeeiros! Tudo era café e cheirava café, estava no planalto da conquista, no sertão da ressaca, Vitória da Conquista estava logo ali. A COOPMAC era um colosso; as fazendas tinham pista de pouso e os fazendeiros avião, eu nunca tinha visto tantos teco-tecos; uma fábrica da coca-cola; uma universidade com o curso de agronomia (UESB), e duas escolas técnicas sendo a Sérgio de Carvalho voltada pra agricultura.
Viajei devagar, despreocupado, observando, parando, entrando em todas as cidades; cheguei à noitinha e a cidade imediatamente apresentou seu clima, era início da primavera, o frio pegou! Achei tudo provinciano, até acanhado, o barzinho da moda era o Castelo do Vinho onde entrei ainda cacauicultor, tomei vinho acompanhado de fondue de queijo; tomava, apreciava os queijos, mas as prosas do dia anterior não me deixavam em paz. Verdadeiramente os fundamentos são bons, a economia é forte e diversificada; de Ilhéus à Conquista tem muitas instituições de ensino formando mão de obra; existem muitos empreendedores; centros de excelência em pesquisa espalhados e diversificados; é impossível a CEPLAC não achar uma solução… ou então deixará de ser CEPLAC! Mas, a vassoura-de-bruxa teria força para destruir tanta coisa? Quem venceria? A civilização ou a barbárie?
Bem, a filosofia Pliniana2 ensina que aos homens cabe dar o bom combate, a vitória cabe a Deus! Os vividos homens do business não viam problemas, viam fundamentos bons! Nesta viagem eu vi e materializei em meu espírito o que eu não conseguia dizer com palavras: o que as pessoas, o povo, decidirá fazer com tudo isso!? Fundamentos, coisas tangíveis, materialidade vã pouco representa; a vital variante é o pensamento filosófico de quem está no cargo de mando. Tendo muito e não tendo o bom pensamento, perde-se tudo!!
E após tomar a última gota de vinho, olhando para o cálice, vi que a vassoura-de-bruxa é só a ponta do iceberg da obra de satanás.
Coronel Xela.
1- Touro trazido da Índia em 1963 pela fazenda VR. Foi o melhor touro da raça nelore, e pai de uma linhagem de excelência.
2- Dr Plínio Corrêa de Oliveira foi o maior pensador leigo católico, Fundou a TFP e deu origem aos Arautos do Evangelho.
Respostas de 3
Olá Xela , parabéns , me fez de novo voltar ao tempo . Que região rica era a nossa , malditos introdutores da Vasoura de bruxa , destruiu uma rica região, continuamos sofrendo as consequências . Obrigado . Abrs
A CEPLAC não foi capaz de inovar…demonstrou a incapacidade….e ficou evidente que ali só serve mesmo para gabine de emprego….
Parabéns,pela matéria!!!