Caros leitores,
Quantas crianças brincaram com o sino, de verdade, de uma igreja[1]? Pouquíssimas! É tão absurdo que sequer é desejado; ou sonhado pelas crianças. Então, daí, o dobrar do sino dobrou minha atenção e dobrando marcou minha vida. Era pelo toque do sino que eu sabia da morte de alguém; de quanto tempo faltava para começar a missa; da chegada do Bispo na cidade; das horas; se a missa seria festiva ou não; da convocação do povo para se confraternizar; de tragédias; e até para ficar triste (na verdade, em reflexão) quando não tocava, tocavam as matracas, no dia da procissão do Senhor Morto. A organicidade da vida na cidade era cadenciada nas badaladas.
Cheguei à Salvador ainda criança e “dona vida” me chamou num canto e disse: tudo que você sabe, sabe. Aqui você vai ter de aprender de novo! Legal… não era mais uma igreja, eram sinos tocando pra todo lado, afinal, dizem, são 365 igrejas. Não bastava conhecer o toque, agora era preciso prestar atenção no som do sino da comunidade religiosa a qual eu pertencia, para saber se o badalar provinha daquela igreja. E Sim, era tocado! Tive um amigo no colégio que identificava o monge que estava tocando o sino, pela harmonia e força das badaladas. Eu nunca consegui chegar a tanto, acho que me falta civilidade. Daí a vida foi passando, eu mudando de cidade, e passei uns dias em Ipiaú onde constatei uma história típica da civilização do cacau: Ewerton Almeida, então presidente do Conselho Nacional dos Produtores de Cacau, presenteou a igreja matriz da cidade, ora em reforma, com um sino; está lá até hoje! Ainda ouvi seu comentário “É importante, o badalar engaja a alma dos cacauicultores, nos leva para a luta”.
Os efeitos do dobrar nas torres na alma das pessoas, verdadeiramente é algo encantador; e devastador! Tive o privilégio de ser aluno do professor Salvador de Ávila {tem todo meu reconhecimento} que me contou, enquanto passeávamos no Terreiro de Jesus e Pelourinho, apontado para as igrejas, a história da “batalha dos Sinos”. No assalto final das tropas lideradas pelo nobre Garcia D’ávila contra os holandeses, os sinos de todas as igrejas começaram a dobrar, sem parar, infernalmente para os ouvidos dos holandeses deixando-os aterrorizados; atordoados; começaram a combater os sinos {notem a complexidade deste momento}, tentavam entrar nas igrejas, aglomeravam-se na porta; o povo aproveitava e jogava azeite fervente, ali começava a guerrilha que expulsou os invasores. Nos ímpios holandeses os sinos destruíram sua unidade e coesão; já nos brasileiros…
Na ladeira da Mata Escura Garcia D’ávila ouviu os sinos; o corneteiro deu o toque de avançar; o capelão foi para a frente de batalha gritando sem parar “os anjos abriram as portas do céu, ninguém morrerá. Todos terão vida eterna”. Bem, o general holandês assim descreveu esta batalha: “não eram soldados; não eram humanos; não eram brasileiros; não era um exército; são um ajuntamento de diabos vindos de todos os lados, encarniçados, enfezados, soltando gritos horripilantes, caindo de árvores, saindo do chão, nada sentiam, pois mesmo feridos continuavam a lutar; era o diabo”. Em primeiro de maio, depois de dois dias ininterruptos com os sinos dobrando, Garcia D’ávila chega em Salvador e encontra todo o povo armado, lutando; daí a rendição dos holandeses aconteceu em menos de duas horas. No jovem povo brasileiro os sinos construíram, na fé, sua unicidade e coesão. Há histórias belíssimas de honra e glória nesta batalha, como o espaço é pequeno, conto em outra vez.
Assim, nas badaladas da vida, dobrando as esquinas, tocando em tudo para sentir a textura, subindo e descendo, mudando de cidade em cidade, eis que vim me parar em Vitória da Conquista. Antonce o inacreditável aconteceu! Os sinos sumiram de minha vida! E, num dia, fazendo uma profunda reflexão deste fato, sentado na catedral de Nossa Senhora das Vitórias, no milênio passado, ouvindo a medonha e desafinada caixa de som que imita o sino, cheguei à conclusão que de alguma forma Deus queria me falar e que nesta cidade eu teria uma missão. Vitória da Conquista é tristemente uma cidade de pouquíssimos sinos. E agora São José?
A falta de elementos de coesão social, paulatinamente, torna as pessoas frouxas, lascívias, falsamente compreensivas, falsamente tolerantes na rua e intolerantes no trato em casa, falsamente compassivo (é o compassivo de Instagram), adepto de doutrinas esdruxulas (como a mãe terra ou de animais terem alma) e por aí vai à desgraceira no caminho da feira! Até aí tudo bem, não tenho nada com a vida de ninguém; nem desejo tal sorte, nem condeno. O problema é quando essa frouxidão da alma começa a virar doutrina, assim levando a desejar o impedimento de outras pessoas professarem sua fé; aí lascou! Aqui está minha missão, dita a mim por Deus, através dos sinos; de denunciar casos de abuso religioso e contra a fé. Tanto o código de posturas do município ou a constituição municipal, tanto o código civil, tanto a constituição federal, nenhuma tem uma palavra sequer proibindo ou tolhendo a liberdade religiosa; ao contrário incentiva e proíbe QUALQUER forma de perseguição, proibição, discriminação religiosa. Ponto final. Entretanto o diabo é desgraçado e os desgraçados não tem limites, aproveitam qualquer brecha para infiltrar sua nojenta gosma purulenta, assunta só, o regulamento do condomínio Terras Alphaville (Vitória da Conquista) diz essa pérola: São expressamente proibidos a instalação e o funcionamento de: … igreja e locais de culto. Se ao ler caiu o queixo, pode pegar e botar no lugar; você leu certo. Essa aberração está lá, flagrante caso de abuso (estou sendo bonzinho) religioso; e caso alguém duvide, está fácil: tudo está um processo judicial sem proteção de segredo de justiça, portanto público! Você ficou surpreso? Horrorizado? Indignado? Calma tem coisa pior, tem os desgraçados intolerantes; conto em breve.
1- Eu brinquei! Conto esta história na Crônica “Na Praça, Uma Vida!”
Coronel Xela.
Respostas de 2
Não sabia ou estava esquecido de q nosso querido amigo Ton Legal doou o sino da igreja São Roque de Ipiaú, sempre q passar ali viu lembrar e admirar o feito !
Bom amigo Xela , nosso cacau desta vez ficou de fora . Entretanto saúdo a dois bravos batalhadores em pró do Cacau . Hum citado por vc “ Ewerton Almeida “ Ton “ e Dorcas . E a vc parabéns , até o badalar de sinos vc transformou num belo conto . Abrs