Caros leitores,
Lá vem história; e graças a Deus eu não padeço da síndrome da página em branco, ao contrário, é tanta criatividade que tenho de parar, tomar um café, e arrumar as idéias. Daí, lembro como me tornei torcedor do Bahia, e é a minha mais remota recordação do carnaval. Eu era muito pequeno… teve um baile infantil matinal de carnaval no Clube Lítero-Social de Canavieiras; a banda de Mestre China tocando e eu assuntando tudo (tanta coisa nova pra sentir), não queria pular, queria vêr; foi quando tocou o hino do Bahia! As mesas esvaziaram, todos foram para a pista; eu prestando atenção que quando chegava junto do bumbo minha barriga tremia por dentro; de quando em vez a banda parava e os foliões gritavam “Bahia, Bahia, Bahia”, um frenesi. Gostei daquela cena, legal mesmo e por gostar do clima de confraternização, da cadência, da música (acho que isso é caso inédito) decidi ser torcedor do Meu Bahia! Veja só! Não tive influências, não ganhei camisa do time, não fui vêr um jogo, ainda não estava na escola; escolhi dentro de um contexto social… simples assim.
Agora eu já sabia andar de bicicleta, quando conheci um trio elétrico. João Bitú um rico e visionário fazendeiro (tinha uma fábrica de suco engarrafado de frutas em sua fazenda; também fabricava geléia de cacau), queria ser prefeito e em seu aniversário presenteou a cidade com uma grande festa, com presença dum inédito trio elétrico; o primeiro que tocou em Canavieiras. Os rancorosos botaram defeitos em tudo, até no óleo diesel que tinham comprado no posto mangueira, uma infernação! Pois eu fui é olhar de perto, saber das coisas, uma oportunidade daquela não se perde, assuntei minuciosamente até a marca dos pneus (era Firestone), e o melhor de tudo: ouvir os comentários! Que o bumbo estava colado de esparadrapo; que a tuba tinha amassadinhos; que o baterista fumou maconha; que só tocariam quando o guitarrista curasse a bebedeira; que pegaram fulana de tal namorando na cabine com o motorista; é coisa! Uma véia philosofava que o som era ruim, bom mesmo era ouvir no radinho sintonizado na Sociedade da Bahia; aquilo sim que era som! Eu fiquei assim olhando pra véia… ahh espírito atrasado. Entretanto o povo é povo em essência, esperou, e às 18 hs o espetáculo começou; muita luz e som. Todos saíram à porta de casa para vêr o trio passar, pulando mesmo só uns poucos bêbados e desordeiros conhecidos da cidade, e entre tanto o povo curtiu e fez a história; além da história, o visionário industrial e fazendeiro deu a mim e a muitos uma visão de vida que não tínhamos; um novo conceito de festa.
Se o povo gostou da novidade são questões intermináveis para a filosofia; eu prefiro a materialidade do fato. Eis que parafraseando João Ubaldo Ribeiro, que enaltecia o espírito itaparicano, enalteço o espírito canavieirense. O trio foi embora e a saudade ficou unida com o desejo do próximo carnaval, a cidade ter um trio elétrico nas ruas; o desejo foi crescendo e a imaginação mais ainda; ainda mais quando o destino bota numa cidade tranquila uma bicicleta (todo mundo tinha bicicleta Monark; a minha era Caloi) com uma irrequieta criança em cima, daí, do nada, passando no estacionamento da concessionária Ford, vi tirando a carroceria tanque e botando a carroceria de carregar carros no “caminhão de Sr. Nilo[1]”. Eu tenho histórias mais absurdas que essa, como a de quando eu atropelei um urubu a 100 km/h e o bicho não morreu e voou; daí, a vida é bela, lá já estava eu no encargo de consultor de projeto para construção do primeiro trio elétrico genuinamente canavieirense. A montagem se deu na praça, na sombra de um oitizeiro, em frente a oficina da Ford, com Zeca saindo com seu DKW Belcar para comprar o que faltasse. Qualquer dúvida eu estava pronto para esclarecer, desde onde ficava o gerador de energia, a posição de cada músico, até o lado do tanque de combustível; tudo eu sabia e se não soubesse inventava! Ainda divertia os mecânicos contando as histórias, como a de Bagudé[2] que apresentou-se ao dono do trio como tocador de reco-reco com estágio em escola de samba no Rio de Janeiro; queria trabalhar. Foram quinze dias memoráveis!
Os primos chegaram; a capota do Jeep de meu pai foi retirada (os mais velhos já dirigiam), aquele carnaval foi declarado aberto. Para ir à praia os mais velhos atravessavam o rio nadando, eu passava na canoa. Puã de guaiamum se quebrava no dente; o mais forte dos primos rasgava uma tampinha de cerveja com os dedos; tudo eram novidade e alegria. À tarde na cidade, com Coleguinha[3] puxando no violão, acompanhado de bons músicos, o inesquecível Bagudé no reco-reco sempre embalado por um gole de “Biturí[4]”, o tosco legítimo primeiro trio feito em Canavieiras desfilou na avenida 13 de maio. O povo acompanhou; os jovens sobretudo; eu criança estava lá. Para saber se foi sucesso ou não, contarei mais uma historieta: não tinha nome nenhum! Daí o povo achou o nome do fabricante da carroceria “Carrocerias Trivellato” batizando de Trio Trivellato. Daquele carnaval todos contam que brincaram ao som do Trivellato; quem brincou, brincou; quem não brincou, não brinca mais!
1- Nesse tempo Sr. Nilo não era o motorista, tinha aposentado. Mas, o caminhão era o mesmo.
2- Figuraça na cidade; era funcionário da prefeitura.
3- Músico excepcional. Era cego de nascença.
4- nome da cachaça preferida de Bagudé.
Coronelzinho Xela.
Respostas de 7
Temos que respeitar o menino.
A maior malineza foi de fato ter se tornado,e não virado,apaixonado,e não torcedor, do BAÊAMINHAPORRA!!!
Parabéns Dr.Alex Terra,pelas boas lembranças!!
O melhor foi o nome do trio!!! Criatividade serve para isso, o povo aumenta, mas não inventa!
Olá Xela . Boas recordações, bons carnavais passei aí em Canavieiras , muitas paqueras / namoros . Obrigado
Mais uma delícia de texto, adoro essas memórias e a forma como conduz o texto nos minúsculos e preciosos detalhes, faz da leitura uma agradável viagem. Obrigada, aguardo o próxima!!
Muito bom ! Só agora pude ler, meu celular “comeu água” já antes do carnaval. Bateu uma saudade de Moraes Moreira, Gal Costa…
Boa tarde
Pena ler esta linda matéria em atraso. Acontece que por coincidência eu faço parte nessa historia em referência ao JEEP sem capota, trata-se de um carro verde claro ano 1976, onde desfilamos pelas ruas de Canes.
Muito tempo depois em Salvador no carnaval, próximo ao relogio de São Pedro,acompanhando um desses blocos, juntos após tomar algumas latinhas de cerveja e após encher a bexiga tivemos a péssima ideia de urinar na parede da Secretaria de segurança publica na piedade, após o ato retornando inocentemente para o bloco quando fomos intimados pelo policial de plantão, e vc continuou andando dando uma de João sem braço e foi embora e o B.O sobrou para mim e felizmente fui liberado.
Abs Coronel